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Conter o espraiamento para resolver os problemas de mobilidade

06 de fevereiro de 2017

Horas no trânsito, longos caminhos a percorrer. A questão da mobilidade está diretamente relacionada ao bem-estar das pessoas. Para Rômulo Orrico, especialista do Consórcio Quanta-Lerner e professor da Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da COPPE (UFRJ), a metrópole dos sonhos é aquela cuja concentração seja descentralizada. Segundo ele, isso quer dizer que é preciso ter mais centralidades ativas e dinâmicas, que atendam às necessidades das pessoas, sem que elas tenham que se deslocar por um longo período para encontrar alternativas de trabalho, serviços e lazer. E, caso precisem ir mais longe, tenham um sistema de transporte público que possa lhes atender com conforto e facilidade.

Orrico analisa o atual sistema de mobilidade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e reflete sobre o que é preciso fazer para criar uma rede de transporte eficiente e verdadeiramente integrada.

 O que se pode esperar do eixo de Mobilidade no Plano Metropolitano do Rio de Janeiro?

Um dos objetivos centrais do Plano é tentar conter o espraiamento. Existe um conjunto de ações, que passam pela economia urbana, a habitação e outras, que podem ajudar a alcançar esse alvo. No campo da mobilidade, uma análise permite enxergar que todo o histórico de soluções apontadas para o desenvolvimento urbano, hoje, sempre acaba por facilitar o espraiamento. São grandes eixos de transporte trazendo a população da periferia, dos bairros, para o centro do Rio de Janeiro. São sistemas tronco-alimentares que ampliam esse efeito. As lógicas de mobilidade deverão vir em apoio às propostas de urbanismo. Ao se previr o fortalecimento de regiões específicas, criando novas centralidades, a mobilidade tem que ajudar a conceber redes de transportes que facilitem o acesso a esses lugares, que ajudem, de forma hierarquizada, na conexão da centralidade e de sua periferia imediata.

 Como isso seria feito?

Facilitando o enraizamento dessas novas centralidades, sempre focando em incentivar que mais atividades aconteçam por ali. No caso da mobilidade, especificamente, mais viagem de origem-destino dentro de uma mesma área. Em um segundo plano, o que queremos, é a integração dessas sub regiões com sua área de influência imediata, o que significa facilitar a relação de todos os pequenos núcleos em uma rede de transporte voltada para atender as demandas dessa região. Em contraposição, hoje as redes de transporte público são concebidas para facilitar que as pessoas saiam de suas regiões com destino ao núcleo, o centro do Rio de Janeiro. Ir, por exemplo, de um bairro a outro de Nova Iguaçu é mais difícil do que chegar ao Centro do Rio. Esse fenômeno dificulta a integração. É preciso fazer com que as pessoas da periferia da Baixada encontrem oportunidades de trabalho por perto, que as atividades naquela região sejam potencializadas.

 O plano estratégico tem caminhado para ajustes nos modelos já existentes ou por mais oferta de transportes?

Começa por melhorar o que já existe, o que significa modificar a rede. Mas também por criar novas formas, que facilitem as ligações a essas novas centralidades. Hoje, o caminho mais rápido para ir de Caxias a São Gonçalo usando o transporte público é passando pela Central do Brasil, que fica no centro do Rio. Uma de nossas propostas é criar um eixo de transporte público de média ou alta capacidade, que não precisa ser de grande velocidade, interligando todos esses pólos de Duque de Caxias à Nova Iguaçu. Como exemplo, o volume de viagens origem-destino de Niterói a São Gonçalo, hoje, é maior do que o de Niterói ao Rio de Janeiro, mesmo com um sistema de transporte com muita carência. Nós temos que trabalhar para que esses lugares se tornem atraentes para os investimentos público-privados.

 Qual o maior desafio percebido na fase de Diagnóstico?

É a questão metropolitana. No sentido mais político, a Região Metropolitana não possui uma rede de transporte. São múltiplas redes que se sobrepõem, se articulam e desarticulam. Até mesmo dentro de uma instituição única há desalinhamento. Na cidade do Rio, por exemplo, o serviço de ônibus não se comporta exatamente como uma rede, na medida em que se têm segmentos e trechos com qualidades muito diferentes. São 23 redes de transporte coletivo que se superpõe, não há equidade. A responsabilidade de transformar a rede local está na alçada da Prefeitura e não do governo do Estado. Então, nós temos que trabalhar de forma conjunta para evoluir, já que a maioria das viagens na Região Metropolitana é intermunicipal.

O Estado toma decisões importantes, que afetam toda a Região e não pede uma contrapartida, como é o caso do Bilhete Único Metropolitano, um projeto bem positivo. Os habitantes de qualquer uma dessas cidades passaram a usufruir de um Sistema Metropolitano sem que a sua rede fosse preparada, adequada para isso. Então, as ações institucionais precisam estar bem trabalhadas, não é só uma questão de fronteira. Além disso, você tem elementos econômicos que estão diretamente associados a isso. Essas redes locais são administradas por concessões, por contratos de longa duração que dificultam a se adaptarem às mudanças da cidade, com políticas tarifárias diferentes e qualidades distintas. Para serem uma rede, precisam estar harmonizadas, com um olhar metropolitano.

 E em relação aos grandes engarrafamentos da metrópole?

A maior dificuldade é que as pessoas, ao verem o sistema de transporte ruim, acreditam que a solução imediata é ter um automóvel, o que acaba por agravar o problema. As concepções de transporte precisam evoluir à medida que as próprias cidades mudam. A rede de transportes que existe hoje não é ruim, mas é adequada ao modelo monocêntrico que tínhamos antigamente. Agora, para nossa realidade atual, temos que repensar o conceito de planejamento de rede, priorizando o transporte coletivo, e é para isso que estamos trabalhando duramente e com muita alegria.

 Quando se fala em priorizar o transporte coletivo, seria o ônibus a melhor escolha?

As alternativas de transporte se complementam. Não podemos abandonar qualquer modalidade imaginando que uma é superior à outra, cada uma tem sua utilidade. Mas o transporte coletivo por ônibus responde por 70 a 80% do transporte coletivo. Temos que ajudar a criar mais metrô, trem e barca. Todo mundo quer uma rede de metrô perto de casa ou do trabalho. Mas não podemos abrir mão de melhorar o próprio desenho e a eficiência dos ônibus. O que não é razoável são as pessoas ficarem muito longe de seus destinos, tanto por tempo de viagem quanto pela distância. Se nós trabalharmos simplesmente para aumentar a velocidade com que se chega ao destino, nós vamos apenas ajudar o espraiamento.

A que se atribui uma maior eficiência do transporte coletivo?

Quando se fala de eficiência, existem dois campos de trabalho: um exclusivamente no sistema, ou seja, com veículos sendo mais bem utilizados, com menos ônibus vazios circulando. Por outro lado, posso ter eficiência de uma forma mais ampla, com reflexo na cidade. Neste caso, seria o transporte coletivo sendo executado assertivamente e a menor custo. No Rio, apenas 25% das viagens em transporte público por motivo de trabalho ou escola, no horário de pico, têm como destino final o Centro da cidade.  À medida que a cidade foi crescendo, outros bairros passaram a ser interessantes. Nem todo mundo quer ir para o Centro, enquanto a rede de transporte está toda direcionada para lá.

E projetos como o Sistema Rápido de Ônibus, o BRS, ajudam?

Sim, outra opção é a atribuição viária para o sistema de transporte coletivo. É importantíssimo que ele tenha a sua faixa de circulação preservada, ou baixará sua produtividade e, por conseqüência, a sua eficiência. O projeto do BRS de Copacabana, por exemplo, organizou os pontos, fez uma gestão para evitar outros veículos na faixa exclusiva, e, como resultado, teve uma redução de 50% no tempo de viagens. O escalonamento dos pontos de ônibus do BRS permitiu maior velocidade não só para os ônibus, mas para todas as pessoas. Foi possível reduzir a frota garantindo oferta idêntica. A população tem que entender que a redução da frota não é para deixar a população descoberta, mas que pode, apenas, ser a consequência de um sistema mais eficiente.

Quem paga a conta da mobilidade urbana?

Temos um problema seríssimo. O financiamento é um grande desafio. É claro que a verba pública é importante e imprescindível. Mas temos que pensar em outras formas. Temos que ter uma noção muito mais ampliada de quem se beneficia com o transporte público. Grande parte dos beneficiários são os usuários, que acabam tendo reflexos diretamente, mas há mais gente. Com o metrô, por exemplo.  Esse benefício é percebido na diminuição do engarrafamento, ou na valorização de imóveis. O que um sistema de transporte oferece de mais poderoso às pessoas é a acessibilidade, no sentido amplo da palavra. Se for fácil chegar a um determinado lugar, então esse local será valorizado. O grande debate é como fazer com que aqueles que se beneficiam do transporte público, mesmo sem utilizá-lo, ajudem a financiá-lo.

 

 

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