Jaime Lerner: “A Baía de Guanabara é um dos principais elementos cenográficos e integradores do território metropolitano. É um atributo natural e cultural fundamental, em cujo entorno se construiu o início da história urbana e econômica da cidade e da região.”

Jaime Lerner é arquiteto, urbanista e ex-prefeito de Curitiba. Em entrevista exclusiva para o boletim Modelar a Metrópole, o coordenador de estratégias do Consórcio Quanta-Lerner fala sobre o desenvolvimento do PDUI e sua visão de futuro no curto, médio e longo prazo para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Qual o seu principal diagnóstico em relação à Região Metropolitana do Rio de Janeiro?
R: No território no qual se assenta a metrópole do Rio do Janeiro, as montanhas, o mar, as baías, lagoas e praias formam um conjunto natural único. Tudo isso, junto com os eixos de mobilidade que foram implementados ao longo do tempo, como trem, barcas, bonde, ônibus, metrô e mais recentemente o BRT e o VLT, conduziram a uma ocupação urbana fragmentada que, num processo de espraiamento contínuo, se torna mais dispersa nas regiões da periferia da Região Metropolitana. Hoje, grande parte desse território apresenta precariedade na sua infraestrutura urbana, deficiência de equipamentos e serviços públicos e desequilíbrio na distribuição das oportunidades de emprego e renda. A busca pela reversão, ou pelo menos a redução desse processo de espraiamento que ainda persiste na periferia, que leva a uma diminuição da densidade urbana e dificulta a qualificação da ocupação urbana de qualidade, é uma das questões que tem orientado as nossas propostas no Plano Metropolitano.
Qual sua visão de futuro no curto, médio e longo prazo?
R: A visão de futuro expressa no Plano diz que busca-se uma Região Metropolitana formada por uma rede de cidades compacta e eficiente, inclusiva, equitativa, diversa e sustentável, adensada nas centralidades e ao longo dos eixos de transporte de passageiros de maior capacidade. Dessa forma, promoveremos o encurtamento das distâncias entre moradia, trabalho e transporte. Teremos também o fortalecimento de uma estrutura metropolitana policêntrica, além do estímulo ao uso misto e a oferta de equipamentos e espaços públicos nas centralidades e junto aos pontos de intersecção dos principais eixos urbanos e de transferência multimodal. No curto prazo, serão priorizadas as ações que promovam a integração entre as diretrizes metropolitanas e os instrumentos de planejamento urbano e de políticas setoriais na esfera municipal, estadual e federal. A implementação das diretrizes acontecerá no médio e no longo prazo.
Dentro dos seis eixos (Habitação e Equipamentos Sociais, Reconfiguração Espacial, Expansão Econômica, Mobilidade, Saneamento Ambiental, Patrimônio Natural e Cultural), existe alguma prioridade nas ações?
R: As ações propostas pelos seis eixos, ao qual acrescentamos o eixo da Gestão, devem caminhar juntas e de forma integrada na execução do Plano Metropolitano. Talvez seja interessante observar que as ações previstas no Plano não se limitam à área urbana da Região Metropolitana, mas incluem propostas para o imenso arco ainda predominantemente rural cuja vocação poderá estar voltada à agroecologia e proteção do meio ambiente.
Qual o maior desafio para que tudo isso que está sendo pensado aconteça? E o risco de que tudo fique no papel?
R: Havendo vontade política por parte de todos os envolvidos, o que inclui os governos municipais, a implementação das ações propostas no Plano Metropolitano acontecerá, de acordo com as possibilidades econômicas e de gestão existentes ao longo do prazo previsto para a sua execução.
Há alguma cidade/experiência no mundo que você considere que se aproxime do Plano do Rio como modelo?
R: O Rio de Janeiro é único. A forma como a cidade ocupa seu espaço nesse território plural, a simbiose entre a natureza e o urbano, os imensos desafios postos na diversidade da ocupação do seu território, bem como o fato de que esse é um dos primeiros PDUIs que está sendo elaborado no Brasil, fizeram com que a equipe elaborasse o Plano sem fazer uso de outras referências existentes no mundo, muitas das quais de muita qualidade.
Dentro do plano de desenvolvimento, como você enxerga o papel da Baia de Guanabara?
R: A Baía de Guanabara é um dos principais elementos cenográficos e integradores do território metropolitano. É um atributo natural e cultural fundamental, em cujo entorno se construiu o início da história urbana e econômica da cidade e da região. Ao olhar para esse passado, construímos as condições de reinventar a baía por meio da valorização de ocupações e comunidades existentes e novas ocupações urbanas controladas, pela criação de pontos de contato e acesso às suas águas, com a criação de acupunturas como waterfronts e parques, e pela criação de roteiros turísticos e de transporte.
Neste momento, com este cenário de um Estado quebrado economicamente e os municípios recuando diante de vários investimentos, como a Cultura pode ser um vetor de transformação?
R: Talvez a resposta esteja na pergunta. Diferente de grandes obras de infraestrutura que exigem recursos elevados e prazos longos para sua implantação, ações relacionadas à cultura podem ter impacto imediato a baixo custo, sinalizando positivamente para ações posteriores de médio e longo prazo.
O senhor acha que o seu conceito de “Cidade sem Periferia” pode ser um eixo norteador para o Plano do Rio?
R: Esse sempre foi um eixo norteador. Desde o início dos trabalhos, entendemos que cabe conjugar esforços para progressivamente equalizar as oportunidades de desenvolvimento na metrópole e construir estratégias apoiadas nas características e potencialidades de cada lugar. Isso será importante para que cada centralidade, cada região e o conjunto como um todo ganhem e se fortaleçam mutuamente, visando à redução das desigualdades sociais.